terça-feira, 11 de dezembro de 2012


JOSEFINA
A voz além do Imperador


Eu te consagrei rainha.
Existem mais altas que tu, mais altas.
Existem mais puras que tu, mais puras.
Existem mais belas que tu, mais belas.

Tu, porém, és a rainha.

“A Rainha”, Pablo Neruda


1
O amor não se vive no passado, nem no futuro. O amor se vive somente no presente.

2
Posso não ter vivido todos os amores que quis, mas ele sempre me encontrou disponível. Assim esperei que viesses, como uma surpresa.

3
Choro por ti. Por teu arrependimento. Eu te tornei sincero. Hoje sei que me amas menos, porém, sou a obra-prima do teu amor.

4
Apaixonei-me por ti quando que te vi. Resplandecias como o sol. Tu me olhavas como se eu estivesse nua.

5
Vias através de mim e minha alma vibrava ao te ver. Pousaste as mãos em meu rosto, e me disseste palavras de amor.

6
Teu hálito me envolvia como uma névoa, e me aspergia com tuas gotas de suor. Teu olho encontrou o meu e me amaste, a luz a atravessar a tua íris. Teus beijos desmancharam meus lábios dissolvidos em tua saliva.

7
Não conheci felicidade maior do que em teus braços, ao me sentir escolhida e amada.

8
És meu homem e em teu cavalo, cavalgas até o horizonte. Meus olhos te perdem na distância, e espero que ressurjas pela manhã. As brumas te envolvem e imantam, protegendo-o de todos os males.

9
Serei a imperatriz do efêmero, permanentemente ao teu lado, a mulher que coroaste. Mas ao irmos ao ápice, caíamos em degredo.

10
Em que tempo viemos nos encontrar? Que tempo foi este que nos teceu por dentro como memória, tua casa, o lar que construíste, durante tuas lutas? Que homem é este que se ergue acima de todos e também me ama?

11
Tua penúria está na ausência de amor. Os dias se sucedem como rios. Luzes brilham em teus olhos, as joias de tuas vestes, a pompa de teu manto – esplendoroso rei dos franceses – nenhum dos Luízes se cobriu com tamanha glória.

12
Amo-te como homem. Amo-te como amigo. Amo-te como rei da minha vida. Tuas palavras se assentam em meu colo e me beijam. Amo-te de noite e de dia, amo-te constantemente, à prova de tudo, como sou, ao avesso do que fui.

13
Fizeste-me nova, a mulher de teus sonhos, teu sono e teu despertar. Jurei-te fidelidade, não diante de Deus, mas diante de ti. E Deus estava lá, e nos assistiu ascender ao trono.

14
Meu amor era o manto de teu leito. Estive contigo por todo o tempo, desde o começo de tua ascensão, e caminhei contigo todo o caminho.

15
Fui tua conselheira, a amante que te esperava voltar. Mas a perfídia e a preguiça me tomaram, e errei ao me afastar do teu amor. Que castigo ser esquecida por ti! Abandonada quando mais precisava do teu amor. O que fazemos por não saber? Acreditei que nunca me deixarias. E me deixaste.

9/05/2012 – 00h30

16
Vivo somente para te amar, vivi antes sem conhecer o amor, e tu me ensinaste a amar. Tuas palavras eram pérolas. Teu riso me alegrava noite e dia. Quando não te via, sofria de solidão. Vivo hoje sem ti, minha vida passa sem ti, minha saudade é maior que o mar.

17
Querias fugir de mim, me perseguias, não me acreditavas, me desprezavas, não me querias, me esquecias.

16/05/2012 – 1h45

18
Meu poema se constrói no esquecimento. Reconstrói tua presença para ocultar tua ausência. Tudo fizeste por mim, eu que me esqueci de mim para só pensar em ti. Tu eras minha sinceridade, meu despertar a qualquer hora. As noites e os dias se sucedem, e posso ser quem sou.

17/05/2012 – 23h

19
Vivi à espera do amor. O amor me lisonjeava, mas não me tomava. Sacrifiquei-me por amor. O amor não me falava. Disse o que quis do amor. O amor guardou silêncio. Meu silêncio não me bastou. O amor me abandonou.

20
Nasci para ser maior. E só o fui ao teu lado. Por ti, tornei-me quem eu era.

20/05/2012 – 00h20

21
Lutei contigo cada batalha e venci as guerras que fizeste. O amor pelo teu povo não arrefeceu. Fui a dama de teus sonhos, para onde elevavas teu olhar. Teu rosto mirava o infinito onde me colocavas. E eu, tão pequena e fútil, nunca fui tão amada.

22
Reinaste sobre o deserto ao lado de teus soldados. Os turbantes e véus de tua expedição ao Egito. Ouviste reis e sultões, e com eles negociaste. Que mulher te compreendeu como eu?

23
Do alto das pirâmides, quarenta séculos te contemplam. Minha paixão por ti não arrefece com tuas ausências.

24
Danço para ti à luz das fogueiras. Eu, a odalisca de teus sonhos, a mulher envolta em sedas a te seduzir, turíbulos a exalar nuvens de incenso. Sobre os tapetes de tua tenda, caminhei com os pés descalços. Eu, a suave peregrina de Alexandria. Onde foste, eu estive. Onde fores, eu estarei.

20/05/2012 – 22h14

25
Os segredos que guardei, eu nunca os disse. Nem em minhas orações, antes de dormir. Meu sono me embala no leito. Os lençóis me embalsamam ao teu lado. Digo-te os versos que ouço à noite, sussurrados ao teu ouvido.

23/05/2012 – 1h20

26
Tive sonhos demasiados, uma vida irrepreensível, impensável antes de me tornar quem fui.

27
Eu, rainha, antes julgada pela assembleia, inocentada por ausência de provas, eu que me provei inatacável, impune, improvável entre tantas probabilidades.

28
Nunca ouviste bater teu coração. Dizias que era como se não o tivesses. Tinhas a disposição de um leão. Cavalgavas longas distâncias sem nunca te fatigar.

26/05/2012 – 2h

29
Eu te disse para não ir à Rússia. Tua soberba te arrastou à cidade de gelo. Depois o fogo a consumiu com o ardor do inferno. Estavas no auge de teu poder. De mais não precisavas. Mas a guerra te corroía as veias. E te arrastou aos pântanos da morte. Teus homens não voltaram. Só tu, para enfrentares teu destino.

1/06/2012 – 9h02

30
Há muitas ideias sobre o amor e nunca são pueris. Para mim, há o universo e o teu amor. Eu me chamo Maria Josefa Rosa e, para ti, eu era tua flor e me chamaste Josefina. Eu me divido entre viver para ti e para as outras pessoas. Contigo, nunca me senti sozinha, nunca fui tão amada.

31
Se tivesses sido o primeiro filho e nascido no lugar de teu irmão José, serias italiano e não francês. Mas quis o destino que a Córsega fosse vendida à França por uma grande soma em dinheiro um ano antes do teu nascimento, como o segundo rebento de Carlo e Letizia, batizado com o mesmo nome do segundo filho de teu bisavô, Nabuloni.

32
Na queda da Bastilha tinhas dezenove anos e onze meses menos um dia, pois nasceste em Ajazzio, em quinze de agosto de 1769, mas logo ascendeste ao posto de comando por tua determinação e estratégia, que te renderam rapidamente um lugar de destaque.

33
Por seres amigo de Robespierre, foste preso após sua execução e por pouco escapaste da guilhotina, da mesma forma que eu, viúva de um visconde guilhotinado, também escapei.

34
Quis o destino que nos encontrássemos e juntos marcássemos nosso tempo. Somos Napoleão e Josefina.

35
O meu amor por ti não se desgasta. O teu amor por mim se perpetua. Renasço a toda hora, pois sou a manifestação de tua existência. Existo para que vivas. Vivo para que existas.

20/06/2012 – 2h35

36
Vivi o fausto, a glória e o prazer. A vida me ensinou a desfrutá-la. Estive ao teu lado aonde foste, e me trouxeste o óbolo do teu amor. Logo descobri que eu não era mais eu. Tu não eras mais meu.

37
Busquei no amor a plenitude, encontrei espinhos. Busquei em tudo a fortuna. Encontrei a perdição. Entre as coisas mais vãs, colhi os momentos de angústia, as valas de doçura, as incertezas, os medos, as loucuras. Meu destino estava traçado, e eu somente tive de segui-lo.

38
Sou Josefina, mulher de Napoleão. A imperatriz de toda a França. De todas as ilhas além. Das fronteiras, do pico das montanhas. Das nuvens. Sou a imperatriz do vazio. Do coração dos franceses. Do sangue que corre em suas veias. Dos olhos que se viram para olhar-te, como olho para ti.

11/07/2012 – 20h30

39
Depois que partiste para tua guerra inglória, vaguei pelos jardins à tua procura. Quiseste um filho, tiveste os que Deus te deu, até um Rei de Roma. Mas descendência não se compra. Nem amor. Vieste pedir meus conselhos, eu te aconselhei, mas não me ouviste. Foste surdo para mim. Sem amor, o coração ensurdece.

40
Logo, meu dia chegou. Parti depois que foste para Elba. Lá, no Mediterrâneo, não me ouvias mais. Em bailes e ostentações do passado, viveste alguns dias de paz – mas a paz não é tua companheira. E eu me fui, por não suportar mais estar sozinha. E disseste: “Agora ela está em paz”.

41
Ouvi tuas palavras de aconchego. Ouvi teus planos de fuga. Vi-te embarcar para a Europa e galgar novamente o poder. Apeaste de teu cavalo, abriste os braços e o casaco para teus soldados, e gritaste: “Aqui, matem vosso Imperador!” Mas eles não se contiveram, e bradaram: “Viva o Imperador!” e juntos marcharam para Paris.

42
Teus inimigos te perseguiram. Teus homens se foram. Viveste os melhores dias comigo. Agora restaram os escombros de tuas vitórias insepultas. Vê, Napoleão, o que restou de tuas guerras. Só um punhado de soldados fiéis, à tua espera. Tua esposa fugiu levando teu filho. Ela, como eu, jamais te foi fiel, mas ela não te amava como eu.

43
Waterloo foi tua tumba. Ali enterraste teus sonhos. Como soldado, foste impecável. Como general, um assombro. Mas os erros se somam e, ao final, cobram-te um preço: descer do Olimpo onde te colocaste. Quase sem nenhum ferimento em batalha, foste o mais bravo de todos. Não temeste nada, nem ninguém. E todos temeram a ti. 

44
E na ilha de Santa Helena, onde viveste teus últimos anos, os dias foram longos, cheios de neblina, sempre a esperar que viesse do horizonte a tua salvação. Contra quem guerreaste? Quem são hoje teus inimigos? Todos os reis se reuniram em Viena e decretaram que o queriam morto, mas ninguém se atreveu a julgá-lo. Curioso. E, como uma extrema-unção, meu nome foi a terceira das últimas palavras que proferiste: “A França. O Exército. Josefina.”

31/07/2012 – 1h57

45
Encerra-se aqui um longo tempo. Minha vida espelhou a tua. Vivemos como um do outro e nada fez diferença. Não tive ciúmes, mas te protegi. Provoquei ciúmes, eu sei. Quanto tempo gastamos com bobagens. Mas o que mais amei em ti, só eu via. De todos os homens, foste o único capaz de me amar. E eu a única que te amou.

8/08/2012 – 21h29


Josefina de Beauharnais (nascida Marie Josèphe Rose Tascher de la Pagerie), nasceu na Martinica, em 23 de junho de 1763 e morreu na Île-de-France, em 29 de maio de 1814.

Napoleão morreu na Ilha de Santa Helena, em 5 de maio de 1821. Em 15 de dezembro de 1840, foi levado para a França, e enterrado, no Invalides, à margem esquerda do Sena, em 1861, onde desejava repousar, junto “ao povo que tanto amou”.